Memórias de resistências negras
Movimento negro brasileiro utiliza fotografia como construção de memória coletiva.
Fotojornalista Giorgia Prates. Foto: Lis Guedes.
Por Jana Costa
O movimento negro brasileiro vem se constituindo no país desde o período da escravidão e uma das principais formas de preservação de sua cultura e história foi a oralidade. No entanto, ao longo do tempo surgiram outras formas de deixar registros para gerações futuras, como o uso da fotografia.
A fotografia constitui a memória social. Nos movimentos negros, ela permite que pessoas negras vejam outras pessoas negras ocupando espaços, conquistando direitos, se unindo, manifestando suas ideias e pensamentos.
Para Giorgia Prates, fotojornalista, mulher preta criada na periferia de São Paulo, os registros feitos pelas mídias que falavam sobre seu lugar de pertencimento eram realizados a partir do olhar de pessoas que nunca haviam pisado ali, criando pontos de vistas estereotipados. Hoje, Giorgia atua como militante, fotografando e registrando a história do movimento negro que participa. “Tem a ver com a minha luta diária de existir. Acabo conhecendo outras realidades de vida, pensamentos, vivências, aprendizados. Eu tenho muita sorte de poder me envolver de uma forma tão direta”, explica.
A fotografia é, ao mesmo tempo, a captura de um momento que se findou e uma história que se vive e se atualiza por meio da imagem. Assim, assume um importante papel na construção e preservação da memória social da população negra, que, por meio dela, pode ressignificar e construir memórias de resistências e existências negras.
A importância de fotografar os movimentos sociais está no ato de registrar e representar lugares possíveis e compreender espaços, papéis sociais, possibilidades de assuntos e demandas da população negra. É uma forma de tornar visível aquilo que não é.
Miriane Figueira, mulher negra, fotógrafa, artista visual e pesquisadora da memória e da negritude, afirma que “é importante e necessário ter a memória preservada, mas ao mesmo tempo a gente precisa ressignificar a memória, de um modo que a gente consiga ascender”. Por meio dessas fotografias pode-se reconstruir as memórias de uma maneira afirmativa e coletiva.
Quebrar estereótipos, descolonizar corpos negros, desconstruir uma imagem conferida à população negra são algumas funções políticas da fotografia no movimento negro. Ela permite mostrar, por exemplo, que as pessoas de periferia passam por outras realidades além da fome. “Com a fotografia estamos fazendo e registrando a nossa história, construindo essa memória do movimento negro, do lugar que a gente tem e pode estar”, afirma Giorgia.
A internet tem tido um papel fundamental na divulgação de trabalhos com propostas afins, uma vez que dá espaço para circulação de trabalhos de fotógrafas e fotógrafos negros que pensam negritude e fotografia. No Instagram podemos acompanhar alguns trabalhos como o projeto Olhos Negros (@projeto.olhosnegros) que tem como objetivo dar visibilidade a fotografia negra, mapeando fotógrafos negros e construir um arquivo de imagens de memórias da negritude.
Sob memoração: fotografia, memória e negritude
Nesta perspectiva, a exposição “Sob Memoração” que durou cerca de sete anos, buscou, por meio de documentos e registros fotográficos, resgatar e mostrar a história da Associação 13 de Maio, de Curitiba (PR). Para a realização da exposição, Miriane Figueira e mais dois amigos fizeram uma pesquisa ao longo de 2012, construindo uma narrativa visual para contar e ressignificar memórias das pessoas que ali fizeram e fazem parte da história do Clube. Miriane tinha uma relação afetiva com o lugar: “Foi bonito reconstruir essa história do clube. O 13 de maio foi um espaço onde eu entendi muitas coisas”, conta mostrando sua admiração pelo clube e entendendo o que esse espaço significa para a história da cidade.
Em 2016, Miriane conectou seu trabalho de artista visual e de fotógrafa com o projeto autoral “Desapropriaram-me de mim”, no qual pensa o corpo negro e sobre o que é ser uma mulher negra. Esse projeto utiliza imagem como forma de afirmar de maneira positiva e ressignificar a negritude. “Sempre tivemos a imagem do colonizador como fonte, agora nós estamos construindo essa história. São heranças, que estão presentes na nossa cultura, mas a gente não dá o nome certo. As pessoas precisam saber dessa herança”, explica Miriane.
Obra Constança do projeto autoral “Desapropriam-me de mim” de Miriane Figueira. Foto: Miriane Figueira.
Fotógrafa e artista visual Miriane Figueira. Foto: Gabriel Maça.
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