A mulher na moda brasileira
A estilista de Minas Gerais Zuleika – conhecida pelo mundo da moda como Zuzu Angel – foi um dos símbolos da ditadura militar, após a morte de seu filho Stuart Angel. Zuzu Angel foi a primeira mulher a levar o título de estilista no Brasil. Zuzu começou sua carreira no Rio de Janeiro e também ficou conhecida mundialmente por suas criações.
Zuzu Angel em NY no início dos anos 1970. Imagem: © Acervo Instituto Zuzu Angel
Nascida como Zuleika de Souza Netto em 1921, Zuzu foi uma estilista mineira de Curvelo. Mudou-se ainda menina para Belo Horizonte, casou-se com o canadense radicalizado americano, Norman Jones Angel, e após o casamento, mudou-se com o marido para Salvador-BA, onde tiveram o primeiro filho Stuart Angel em 1946. Um ano após o nascimento do filho foram morar no Rio de Janeiro, onde nasceram as duas filhas Ana Cristina e Hildgard.
Zuleika começou a costurar para a família, trabalhando como costureira nos anos 1950. Em 1957 morando no Rio de Janeiro Zuzu inaugurou o primeiro ateliê, por sua participação em um grupo solidário que confeccionava uniformes para crianças carentes.
Os destaques de suas criações foram as saias, suas peças levavam partes da fauna e da flora brasileira, estampando animais como papagaios, borboletas e pássaros. A matéria-prima usada pela mineira era o diferencial, já que defendia a cultura brasileira, usava o pano de colchão, rendas, chitas, bambu, conchas, pedras, algodão estampado e outros materiais. Angel, sobrenome do marido, virou sua logomarca e foi também uma das estampas das coleções.
Peças em renda e algodão estampado, em 1972. Imagens: © Acervo Instituto Zuzu Angel
Angel foi pioneira ao utilizar as rendas nordestinas como fabricação de peça de roupa, o Brasil como tema em seus desfiles e em suas criações, sobre suas percepções de um país alegre e requintado. Angel acreditava que moda era comunicação, a qual expressava como conceito e não como futilidade pregada na época que a repressão à criatividade e à liberdade de expressão predominava na ditadura.
Zuzu começou a criar modelos de vestidos repetidos que hoje chamamos de prêt-à-porter, começando a dividir suas coleções em duas partes: um para o dia a dia para a mulher que trabalhavam fora com vestidos e conjuntos práticos, e a outra para a noite, com vestidos nobres com tecidos sofisticados.
Mundialmente conhecida pelo seu trabalho, Angel ficou marcada por criações brasileiras mostrando o seu amor por Minas Gerais. Mesmo morando nos Estados Unidos, ela sempre criava coleções regionais com o folclore brasileiro e peças representando o Brasil, mas sempre informada com as tendências na moda internacional. Em uma das suas coleções eram claramente notadas cores que predominaram os desfiles das grandes grifes de Paris. As peças de Zuzu ganharam uma matéria no Le Monde e uma reportagem no The New York Times.
Uma criadora de moda completa, além de desenhar, cortar o tecido e costurá-lo, sabia divulgar os produtos que desenvolvia, entendia todo o processo de como confeccionar uma peça, além de sempre deixar sua marca e o diferencial. A originalidade e o talento da mineira fizeram sucesso principalmente nos Estados Unidos, levando-a a produzir muitos desfiles e teve coleções vendidas nas lojas de Nova York, abrindo então uma boutique em Ipanema, Rio de Janeiro.
O vestido assinado por Zuzu que integrou o desfile-protesto em Nova York, em 1971.
Imagem: © Acervo Instituto Zuzu Angel
A estilista tinha clientes importantes. Já confeccionou modelos na época para a primeira dama Sara Kubitschek, D. Yolanda e a primeira dama americana Jackeline Kennedy, as atrizes Joan Crawford e Kim Novak. Joan tornou-se amiga de Zuzu que confeccionou em seu ateliê um vestido a pedido dela em uma visita ao Brasil.
Possuindo uma visão para negócios, lançou sua própria marca com o nome de Anjo, naquele momento nenhum estilista brasileiro teria feito antes. Em plena ditadura militar no ano de 1967, ela utilizou a moda como protesto na época a primeira a usar as passarelas como forma de expressar opiniões políticas em um desfile que foi nomeado de Fashion and Freedom (Moda e Liberdade) representando uma crítica ao regime militar.
Outros desfiles que também envolveram moda e política da estilista brasileira foram o International Dateline Collection III – Hollyday and Resort apresentado no consulado Brasileiro em Nova York, International Dateline Collection IV – The Helpless Angel em Nova York também, International Dateline Collection V e VI apresentado primeiro no Brasil no Rio de Janeiro. Depois, em Nova York, os desfiles foram realizados em protesto pela morte do filho torturado pelo regime militar, apesar das autoridades negarem qualquer envolvimento no caso.
Zuzu Angel com roupa de luto e modelo. Coleção Helpless Angel
Imagem: © Acervo Instituto Zuzu Angel
Angel usou sua única arma para protestar: A moda. Zuzu iniciou uma luta incansável para ter o direito de enterrar o corpo do filho e a influência que tinha fora do Brasil, levando o caso mundo afora. As peças utilizadas como protesto foram peças que evidenciavam a então tortura sofrida pelo filho. Mobilizando a imprensa internacional e levando o caso para o secretário de segurança americano, pois, seu filho tinha nacionalidade americana, começou a sofrer ameaças. Angel, em 1976, morreu em um acidente no Rio de Janeiro no túnel Dois Irmãos, que hoje leva o nome de Zuzu Angel.
A mulher na época que Zuzu nasceu era aquela mulher que cuidava da casa e dos filhos, que era proibida de trabalhar, sendo o homem a principal fonte de sustento da casa, mas, a estilista uma mulher muito á frente do seu tempo, em 1968, ganhou o prêmio das dez mulheres que mais se destacou em promover mulheres no desenvolvimento social, entregue pelo Conselho Nacional de Mulheres.
Em 1969 começou a integrar o Fashion Group em Nova York. Uma mulher que lutou contra a ditadura militar que foi mal vista pela sociedade, por educar os filhos como profissional, naqueles anos a mulher era educada para casar e ter filhos, não poderia ir para a faculdade, era criada para ser uma dona de casa e uma mãe e esposa. A estilista que ficou mundialmente conhecida e citada até os dias de hoje por seu trabalho no ramo da moda e por sua luta pelo filho, é a mulher que pensava mais a frente da época vivida.
As baianas, da coleção International Dateline Collection, de 1972.
Imagem: © Acervo Instituto Zuzu Angel
Revolucionou o mundo da moda e a imagem da mulher naqueles anos difíceis, trouxe grandes mudanças tirando aquele pensamento que moda é futilidade, colocando economia, política e arte, mostrou que moda pode ter opiniões e transitar em vários outros assuntos.
A história de Zuzu Angel, mulher que transformou a moda brasileira, inovando e trazendo novas maneiras de utilizá-la, colocando a mulher então dona de casa como mulher de negócio com sucesso na carreira, levando o Brasil pelo mundo, a mulher que pode ser sim uma mulher bem sucedida com uma carreira promissora e com sucesso, que a mulher pode buscar o que deseja, mesmo com a sociedade impondo o que ela deve ser.
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Texto: Cristiana Bengozi, Curitiba-PR | Especial para Revista F
Imagens: © Acervo Instituto Zuzu Angel
Edição: Sionelly Leite