Fora dos trilhos: moradores do Cambambosa lamentam o abandono da antiga Estação Ferroviária
A placa ainda fixada no prédio da antiga Estação Ferroviária reaviva na memória um dos momentos mais importantes para a história do município de Caculé, região sudoeste do estado da Bahia, que foi o início das atividades da RFFSA – Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima, hoje FCA – Ferrovia Centro-Atlântica. A data, 15 de novembro de 1950, foi quando a “Rede” começou a operar no município. Iniciava assim um processo de desenvolvimento econômico e social da região, impulsionado pela circulação de pessoas e de mercadorias fomentada pelas atividades da então RFFSA.
Localizada às margens do Rio do Antônio, a Estação Ferroviária promoveu o “surgimento” e crescimento do Bairro Cambambosa, mais conhecido como Bairro da Estação. Com o passar do tempo surgiram pontos de comércio como: pousadas, bares e mercearias, para atender o fluxo de pessoas que chegavam a que partiam daquela estação. Ali se constituíram novas famílias, principalmente formadas por operários ou servidores da RFFSA e moradores das proximidades, natural da cidade ou que estavam ali a trabalho ou estudo. Na época o Colégio Estadual Norberto Fernandes era referência em educação na região e a existência do “trem de passageiro” facilitava o acesso de estudantes de cidades circunvizinhas, como destaca José Alves Fróis no livro “Caculé de Miguelzinho”, que teve sua 2ª edição publicado em 2006.
Lucidalva Alves Valério relembra com emoção e tristeza do que já foi a Estação Ferroviária
Dentre tantas famílias está a de Lucidalva Alves Valério, cabeleireira, 51, filha do Sr. Domingos Valério, agente de Estação, falecido em fevereiro de 1983 e que durante 30 anos trabalhou na RFFSA. Moradora do Bairro Cambambosa, com sua residência localizada a poucos metros da Estação Ferroviária, Sinha, como é conhecida na cidade, cresceu ao som do “trem de ferro” e teve sua infância e juventude permeadas pelas histórias da Ferrovia.
Nostálgica, a garota que “passeava” com o pai aos fins de tarde pela Estação Ferroviária lembra com saudosismo daquela época de outrora. “São constantes as lembranças de quando meu pai ainda trabalhava aqui. Sempre vinha para cá, aos fins de tarde, quando seu expediente de trabalha se encerrava e ficávamos um tempo com ele. Eu e meus irmãos brincávamos por aqui e essa era a realidade de muitas crianças do bairro”, comenta Sinha ao visitar o que restou do prédio da antiga Estação Ferroviária. Ela acrescenta que já na época de juventude o local também servia como ponto de encontros com os namorados. “A grande circulação de pessoas nos servia de camuflagem. Era tana gente indo e vindo que mal nos percebiam enquanto paquerávamos. Na verdade eram apenas troca de olhares e, pouquíssimas vezes, um aperto de mão”, relembra a cabeleireira.
Cenário de tantas histórias, a estação está totalmente diferente do que os moradores mantêm em sua memória
Resgatar a estação não seria tão somente devolver a Caculé uma parte – significativa – do seu passado, da sua história, mas, e tão importante quanto, fazer com que ela também tenha seu valor para o futuro. “Resgatá-la, restaurá-la e transformá-la em um local de acesso público, seja uma casa da cultura, biblioteca, museu ou qualquer outra coisa do gênero é fazer algo que pouco se vê hoje em dia: manter a memória. E é isso que nós, moradores do bairro e também da cidade, gostaríamos que fosse feito”, desabafa Sinha.
De acordo publicação feita pelo site IGuajeru, em março de 2014, o então gestor municipal, José Roberto Neves, disse que havia um projeto do Governo de Caculé para transformar o local em uma Biblioteca Pública Municipal. “Nós temos um compromisso com o nosso município de construir aqui uma biblioteca e dentro dessa biblioteca a gente usar um espaço como museu, pra gente justamente mostrar, aos jovens e à nossa população, o passado de Caculé e revitalizar essa história”, disse Neves, à época, em sua declaração ao site.
Completamente abandonada, sem atividade desde a década de 1980, a Estação simboliza o descaso das autoridades
Passados pouco mais de três anos das declarações do gestor nada foi feito e a cada dia o prédio da antiga Estação Ferroviária de Caculé se deteriora mais. Desse modo, fica explícita nas palavras e reluzente no olhar dos moradores do Bairro Cambambosa a vontade de que esta realidade mude. “O que mais queremos é que o local volte a ser algo que tenha representatividade para o município e que os jovens de hoje possam conhecer a sua história e repassá-la para seu filhos e netos, tornando assim algo que siga por toda vida. Seja como museu, seja com biblioteca ou casa da cultura, o que nós aqui do bairro mais queremos, e acredito que toda população da cidade também queira, é ver essa Estação entrar nos trilhos novamente”, se emociona Sinha.
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Texto e fotos: Aloísio Costa, Caculé-BA
Edição: Sionelly Leite