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Moqueca é capixaba, o resto é peixada

Tradicionalmente conhecida pelos habitantes do estado do Espírito Santo, a moqueca capixaba é um patrimônio cultural e histórico do povo daquele estado. Ela faz parte da culinária local desde a época do descobrimento do Brasil, quando os índios tupis preparavam seus assados de peixe, que repousavam, após o preparo, envoltos em folhas silvestres. Na tradição indígena tupi, as folhas silvestres funcionavam como uma espécie de instrumento de secagem para retirar o excesso de líquido dos peixes. Este “secador”, na língua guarani, significa moquém. E o moquém capixaba é a sua panela de barro. Com o tempo, a palavra moquém evoluiu para moqueca.


Eronildes Correa molda uma panela de barro artesanalmente



Peixe, tomate, cebola, coentro, azeite de oliva e urucum, preparados em uma tradicional panela de barro capixaba, formam a combinação perfeita para o paladar dos habitantes do estado que, nos últimos anos, têm apostado no seu potencial gastronômico para atrair turistas. Apreciada e reverenciada pelo povo espírito-santense, a moqueca capixaba está sendo descoberta por turistas que vão até o estado descobrir o seu sabor encantador. Mas, para os capixabas, não existe moqueca completa se não for preparada numa panela de barro.


A famosa panela é produzida num processo artesanal, com o barro extraído dos manguezais presentes nos arredores da capital Vitória. A argila passa por um processo de depuração, intitulado “escolha”, onde são retiradas todas as impurezas, tais como pedras, restos de folhas ou gravetos. Passada essa fase, a argila é acondicionada dentro de uma película plástica para manter a umidade, ficando pronta para ser usada pelas artesãs que compõem a Associação das Paneleiras do Estado do Espírito Santo. As artesãs são carinhosamente conhecidas como Paneleiras de Goiabeiras, graças à sua função e também ao nome do bairro em que está localizada a associação.



Panela de barro finalizada após o processo de queima e tintura



Eronilde Correa de Menezes tem 51 anos, já foi presidente da Associação das Paneleiras e trabalha como artesã há 39 anos. Juntamente com ela, mais duas irmãs também trabalham na fabricação da panela, ofício que aprendeu com a mãe que foi paneleira até 81 anos. Ela já perdeu a conta de quantas panelas produziu, mas se arrisca a dizer que já foram mais de 30 mil. Segundo Eronilde, a produção da panela de barro envolve o trabalho manual de modelagem da argila e o alisamento utilizando uma cuia, uma espécie de espátula artesanal, e uma esponja, o que torna o trabalho propositadamente rústico.


As paneleiras mais experientes são capazes de moldar uma panela em cerca de 3 minutos. Depois disso, as panelas secam à temperatura ambiente, de um dia para o outro, para que o barro fique bastante rígido e possa ir para a queima nas fogueiras preparadas com sobras de madeiras. Antes disso, elas passam por um rápido processo de lixamento para dar acabamento. Em sua última fase, é a queima que dá a selagem final às panelas e a coloração escura vem do tanino.


Tanino aplicado pela artesã Mariana Correa para dar coloração à panela de barro


É da casca das árvores do manguezal de Goiabeiras que é retirado o tanino. Com o passar do tempo esta casca se regenera e a retirada do tanino pode ser efetuada novamente, sem causar nenhum prejuízo ao meio-ambiente. Em seguida, a casca da árvore é socada e misturada com água para repousar por alguns dias. Com o passar do tempo, o tanino se desprende da madeira, misturando-se com a água, dando ao líquido um tom avermelhado. Utilizando uma espécie de vassourinha de ervas, chamada de muxinga, é que as paneleiras pulverizam a tintura contendo tanino na panela que acabou de sair da fogueira. Esse choque térmico, além de esfriar a panela, consolida o seu processo de enrijecimento e dá a cor preta à panela de barro.


Com o processo todo finalizado, basta levar a panela de barro pronta para casa ou se preferir, recebê-la em sua residência, por via postal, pois este é um serviço oferecido pela associação aos turistas que passeiam pela região. Com a panela de barro nas mãos, basta seguir à risca a receita tradicional do preparo, saborear a iguaria como se estivesse sentado em um restaurante capixaba, sentindo a aprazível brisa que vem do mar e conferir a célebre frase tão divulgada por lá: “Moqueca é capixaba, o resto é peixada”.


Processo de secagem natural da panela de barro



O trabalho das paneleiras é passado de geração em geração há mais de 4 séculos, o que mantém o processo de fabricação da panela de barro praticamente intacto. De acordo com o IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o ofício das paneleiras foi registrado como Patrimônio Imaterial no livro dos Saberes, obra onde estão inscritos os bens culturais imateriais brasileiros.



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Texto e fotos: Pierre Almeida, Vitória-ES

Edição: Sionelly Leite

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