Um retrato colorido das memórias de Henry Milléo
Um homem complexo e simples. Com opiniões fortes, porém não absolutas. Talentoso e humilde. Discreto, mas que chama atenção para a realidade que retrata. Um nome que tem peso, mas também leveza e ética ao cobrir eventos marcantes. Henry Milléo ainda é aquele menino do interior do Paraná, ainda é um sonhador. Henry traz consigo suas pequenas memórias, que ainda são fortes o suficiente para preencher seu coração e seu olhar para esse imenso quadro ao qual chamamos de “mundo”.
Foto: Jhennyfer Pereira
A ligação de Henry Milléo com o jornalismo e a fotografia aconteceu muito cedo. Aprendeu a ler com jornais e ajuda da avó, e a ver, com uma Kodak Instamatic, a qual Milléo guarda até hoje. O filme da câmera durava o ano todo, pois era usado em ocasiões especiais. Datas festivas como a páscoa e o natal garantiam a Milléo o posto de fotógrafo oficial da família. A parte mais gostosa era depois que as fotos eram reveladas, conta. “Quando descobri que isso poderia ser uma profissão, que eu fazia o que gostava e ainda me pagavam para isso, era perfeito”, diz Henry.
Henry Milléo busca encontrar pessoas, e o jornalismo é apenas uma boa “desculpa” para isso. Ele quer mesmo é conhecer novos personagens, outros países, diferentes histórias, a simplicidade e a complexidade de um diálogo. Se enlevar num balbuciar de palavras, fazer amizades e gestos, admirar um sorriso, um olhar para a lente da câmera, encarar o mundo de frente e detrás de um objeto que escreve com a luz. Momento decisivo... Click... O instante passou a ser eterno. Ensaios, captura de realidades distantes, doces ou amargas, invisíveis ou escancaradas... Vale registrar pescadores e Sineiros, vale a pena fotografar as festividades peruanas e uma Cuba esquecida. Os anos passaram depressa, agora as imagens e indivíduos se revelam. O ordinário em sua ordinariedade.
Foto: Henry Milléo
O fotógrafo francês Marc Riboud é o preferido de Milléo, não por fotografias excêntricas, mirabolantes. Mas pela beleza e pela simplicidade. Simplicidade, aí está uma palavra que define os gostos de Henry Milléo. Estar próximo de quem se admira é fundamental para ele, os grandes mestres como Henri Cartier-Bresson e Robert Capa - inalcançáveis, não apenas porque morreram, mas porque o legado deles é extraordinário.
Henry é apaixonado pelo livro “O velho e o Mar” de Ernest Hemingway, tem uma coleção de mais de 20 edições. Segundo Milléo, Hemingway dá uma aula de diálogo, é um ator genial. Habitualmente ele lê o “Velho e o Mar”, algo como duas vezes por ano. Porém, este não é o livro favorito de Henry, ele prefere a obra “As pequenas Memórias” do escritor português José Saramago. O encanto está na história, na vida simples de Saramago em um povoado pequeno, detalhes que fazem com que Henry se identifique com a autobiografia do lusitano que refresca em sua mente histórias de Piraí do Sul, cidade onde o fotojornalista nasceu. A literatura influencia na fotografia, toda a bagagem cultural afeta o trabalho de quem quer que seja.
Ao longo do tempo Henry passou a ser fotógrafo de conflito. Paralisações, protestos, pancadaria. Rotina. “Medo? Não. Isso não deve existir para quem é jornalista. Para morrer basta estar vivo, dizia minha avó”, completou Henry, sorrindo. E de tanto cobrir esses acontecimentos, tudo começou a ficar cansativo. Um ciclo de ida e volta. Cansaço. Complicações. Ao cobrir uma invasão em Inácio Martins, Henry ficou por mais de 3 horas preso no acampamento dos integrantes do Movimento Sem Terra. No momento Milléo nem percebeu o que tinha acontecido, só notou depois que saiu do local. Essa não foi a única situação em que ele correu riscos, no dia 29 de abril de 2015 durante a manifestação dos professores, Henry foi atingido por uma bomba, no entanto, pode registrar esse episódio tão violento que marcou a história de Curitiba. “O jornalismo não deveria dar o que o público quer e sim o que o público precisa. ”, afirma Milléo.
Foto: Henry Milléo
Mas não é apenas de histórias conflituosas que o trabalho de Henry é composto. Também em 2015, Henry fotografou meninos boxeadores em Havana, esse ensaio lhe rendeu frutos, o prêmio POY Latam 2017 (na categoria Deportes Serie). O que mais chamou atenção de Henry foi a concentração dos atletas quatro atletas com idades que variavam de 6 a 11 anos.
Foto: Henry Milléo
Henry Milléo trabalhou na Gazeta do Povo por quase duas décadas, mas pela mudança de plataforma que o jornal sofreu, ele não faz mais parte do quadro de funcionários. “O futuro é o digital, eu não acho que o jornal esteja errado. E acho que vai chegar um tempo que o jornalismo será basicamente isso, a informação será toda online, seja por realidade aumentada, ou por aplicativos. ” Henry completa dizendo que o importante no jornalismo deveria ser o conteúdo e não o número de acessos, pois isso empobrece a qualidade do que está sendo publicado.
Hoje ele se vê não mais como um “fotógrafo de jornal" e sim um fotojornalista, porque ele cobre a pauta, escreve o texto, experimenta as sensações de estar no local, vive e transmite pela fotografia e linguagem verbal a experiência que teve com a notícia. Se considera um homem tímido, e que é através da fotografia que consegue transmitir um pouco de si. A dedicação e a intensidade fazem parte de sua obra como fotógrafo. Henry conta que muitas vezes sai andar sem rumo, deixando apenas ser guiado pela vontade de descobrir algo novo. “A vida tem que ser mais do que ir de um lugar para outro. Quando você muda isso, é um ato de desobediência”, conta Henry.
Foto: Jhennyfer Pereira
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Texto: Larissa Oliveira
Fotos: Henry Milléo e Jhennyfer Pereira
Edição: Sionelly Leite